segunda-feira, 22 de março de 2010

Microconto - Resignação

"Eram três, reunidos como de hábito numa mesa de bar. Estavam as duas conversando ainda razoalvemente animadas, ele mesmo já havia parado de falar há algum tempo. Embora falassem dele. As sentenças vinham de uma e voltavam para outra; tentavam fazê-lo voltar à conversa, provavelmente sem saber como lidar com aquele silêncio inusitado. Tão estranho.
- Mas... Foi uma história muito bonita, não foi? Quer dizer, a história de vocês dois, por mais que seja difícil e dolorida, é uma história de amor tão bonita... - uma delas tentou salvar.
- Não.
- Não?
- Não. Foi só uma história triste. Tristeza não é beleza. Tristeza é só triste."

quarta-feira, 17 de março de 2010

"Diga a verdade, diga a verdade, diga a verdade"

Se você diz cada vez menos, com o tempo acaba esquecendo como dizer. Esquece que palavra acompanha outra melhor. Esquece como soltar o ar entre os dentes. Esquece até o que tem a dizer. Esquecer é um refúgio bom, é seguro e limpo. Só que ninguém consegue segurar uma fala por muito tempo. Mesmo que seja o tempo de uma vida. Quem se cala uma vida inteira, volta na próxima falando aramaico. Mas fala.

Uma vez vi um homem explodir porque não tinha mais espaço para todas as palavras que engolia.

O segredo não é falar muito. O segredo é falar tudo. E o segredo é falar sempre. A verdade é Deus. Falar a verdade é rezar.

terça-feira, 16 de março de 2010

Da série: Diálogos improváveis com uma mãe nada provável


- Meu filho, por que esse mau humor todo? Olha que sol lindo, que céu maravilhoso, que vida plena. Me diz um motivo pra você estar com essa cara. UM.

- Intolerância à lactose na páscoa.

- ...

sexta-feira, 5 de março de 2010

Microconto - Refúgios corporativos


O copeiro do meu trabalho sorri toda vez que me trás mais uma xícara de café. E eu sorrio toda vez que ele trás mais uma xícara de café. Nós nem sabemos o nome um do outro. Mas ele trás meu café, porque acha que eu gosto muito de café e eu bebo meu café, porque acho que ele gosta muito de me trazer o café. Nesse momento é quase como se gostássemos um do outro também. E essa às vezes é a relação mais estável que eu tenho.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Heróis silenciosos


É meio vergonhoso dizer, mas levo à sério essas teorias de auto-ajuda que dizem que você deve viver sua vida como se fosse o herói da própria história. Não que todo mundo precise sair por aí catando arquiinimigos imaginários em cada desafeto. Ou construindo relacionamentos como quem cria roteiros cinematográficos, só para movimentar a vida. Não. Quero dizer que é bonito quando alguém decide, de verdade, não ficar deitado nos trilhos, esperando para descobrir sua eficácia como quebra-molas de trem.

A gente não costuma olhar quando as pessoas fazem isso de se levantar dos trilhos. Pelo motivo óbvio: O pobre coitado que vai virar patê de gente gritando: "Socorro! Estou amarrado!", enquanto o desastre colossal corre furiosamente em sua direção é mais dramático. Ligeiramente. Vítimas seguram o público até o final. Já o sujeito que se dá conta de não estar preso em corda nenhuma é só um susto. No máximo vai ser chamado de idiota.

Esse é o motivo óbvio. O motivo não-óbvio é que a decisão de se salvar costuma ser silenciosa. Ela não precisa de plateia, porque finda em si mesma. Você se cuida para estar a salvo. Come salada para ser saudável, pratica exercícios para se sentir bem, dirige devagar para chegar à salvo. Não faz isso para ser aplaudido, para chamar atenção. Faz isso porque em algum momento decidiu que merece umas coisas legais, que pode se dar algumas coisas legais, afinal. E teoricamente essa é a ordem natural: não há nada de especial em NÃO querer virar um patê de gente. Mas, na verdade, há sim. Porque apesar do natural ser desejar ser feliz, é mais fácil não ser.

Se sentir amarrado na frente do trem é uma situação limite. Tem outras formas de virar patê, menos barulhentas e muito mais demoradas. Como aquelas pequenas torturas diárias que costumam envolver doses colossais de insegurança e desconfiança dos outros. As escapadelas, o descompromisso, as mentiras e todas, absolutamente todas as neuroses arquitetadas para se projetarem em 3D na mente. E embora esses vícios sejam dolorosos, eles são as rotas sinalizadas com plaquinhas em neon. São caminhos movimentados e bem conhecidos. Todo mundo vai por ali.

Por isso há algo de muito especial quando alguém decide fazer uma coisa nova da vida. Algo que não envolva se bater e peneirar a cada oportunidade. Não ser a mocinha abandonada ou o derrotista que não espera nada melhor do mundo. Em primeiro lugar, porque é essa atitude que evita cordas, trilhos e trens desgovernados. E afinal porque é o tipo de decisão que se toma sozinho e ninguém sabe dizer muito bem o que acontece depois. Quem sabe, não faz alarde.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Sentido de permanência e romantismo


Dos livros que já li, Isabel Allende não é a melhor escritora. Nem é a mais madura nas reflexões que faz, nem a mais poética na linguagem que usa. Mas é a que mais fala comigo. Alguns escritores simplesmente falam a mesma lingua que você, como alguns amigos. É como se eles se interessassem pelos mesmos assuntos ou escrevessem bem aquela frase que você disse outro dia quando estava distraído. Voltando na estrada de uma cidade-satélite pro trabalho, eu lembrei de um diálogo entre a empregada da protagonista e o mocinho em "De amor e de Sombras".

A história é uma trama novelesca que se passa num cenário-espelho do que era o Chile tomado pelos militares, na ditadura do Pinochet. Irene é uma jornalista alienada e corajosa como só os ingênuos são. Ela escreve para uma revista feminina e acaba se apaixonando pelo colega fotógrafo, Francisco, um psicólogo impedido de trabalhar pelo regime, que encontra no fotojornalismo uma forma de sustentar a família e clandestinamente ajudar os perseguidos políticos a escaparem do país.

Em dado momento, fica claro que eles ficarão juntos independente dos riscos a que ela estará sujeita ou das diferenças entre as visões de mundo dos dois ( que francamente nem são tão nítidas assim, não sei se por falta de uma caracterização melhor das personagens ou se porque, criada no porcelanato da classe-média e acostumada a olhar com ligeireza jornalística, Irene só carece de alguma profundidade para se revelar parecida com o companheiro). Então a mulher que criou a repórter resolve advertir Francisco do barco em que está se metendo, dizendo algo como:

"- Ela é como uma borboleta, você sabe. Não tem nenhum sentido de permanência..."
Ao que Francisco responde sem hesitar:
"- Não se preocupe. Tenho o suficiente por nós dois."

Sabe, eu amo Francisco por dizer isso. Talvez por já estar, nesse momento, tão envolvido com a história que o entendo. E porque eu seja tantas vezes como Irene e perca meu sentido de permanência até que alguém me lembre do que é importante. Mas o fato é que está errado. E esse é o problema com o romantismo. É tão bonito de se admirar que você acaba esquecendo que não faz o menor sentido. Pode até ser estúpido, se pensar bem. O realismo, por sua vez, tem uma preocupação menos estética. É mais simples, não gera tantos suspiros e muitas vezes nem precisa de tantas palavras. Podia ser resumido assim:

" - Não tem sentido de permanência que dê para dois. Cada um fica por si. Beijo, Irene"


Mas quem vai fazer uma novela disso, né?



- Vaza, filhote. Essa aí é chave de cadeia

Tenho absoluta certeza de que vou me perguntar se devia mesmo fazer isso

Como meta pós-carnaval 2010 ( afinal, sejamos honestos, essa história do ano começar em Janeiro nunca fez sentido nesse país ) reduzi meus dilemas a questões mais práticas. Resolvi economizar em indecisão focalizando tudo na seguinte questão:
Qual vai ser o nome do meu blog?

Assim, já não interessava com que roupa eu saíria de casa. Não tive problemas pra decidir os programas no fim de semana, quais filmes queria ver e que livros terminaria primeiro. Tudo o que importava era "escolher um nome bom, um nome que pegue e faça algum sentido". Bom, na minha mente megalomaníaca ele também vira título de livro e me faz famoso e rico, mas eu vou me contentar se conseguir uns 20 acessos por dia (mudei o número três vezes).

As questões importantes também perderam seu peso. Pouco importavam os dramas amorosos, as amizades conturbadas, os delírios psicóticos de plantão. O importante era o nome do meu futuro blog. Acho que essa deve ser a vantagem de ter TOC. Você dá tanta importância para uma coisa tão sem sentido, que não sobra muito pra dividir entre as outras coisas que mereceriam atenção se você fosse ( perdão mas nem tô ligando pro politicamente correto ) normal.

Descobri que, até para um geminiano com ascendente em libra, existe um limite de indecisão na vida. É tipo uma carta de crédito. E eu estourei a minha. Até o mês passado, não me deixei opção além de ser uma pessoa completamente firme e resoluta em tudo que não envolvesse as terminações "blogspot" ou "wordpress".

Agora já posso voltar ao meu estado natural. "Meninos que brincavam com fósforos", soa perfeito. Não sei bem o porquê, mas soa.