terça-feira, 14 de setembro de 2010

Una pasión verdadera

Às vezes a vida imita os enlatados. Prestes a desistir do tema de monografia, surge um venezuelano saído do nada e, no melhor estilo "reviravoltas do próximo capítulo", me diz:

"Sabe, Rounane, alguns autores casam com seus temas e os estudam a vida toda. Como Marx, ou Freud. Para esses é como acontece com os que encontram o grande amor e se completam. Acasalam-se con una idea, para a ela se dedicar por toda bida. Nem todos temos essa sorte. Alguns de nós temos breves namoricos com nossos temas, escrevemos um artigo ou dois, ou mesmo nada e nos cansamos. A relação termina, acontece. Agora, parece-me que você se apaixonou pelo seu tema. Una pasión verdadera. E encontrou algunas dificuldades sérias, fato. Mas qual amor não as tem? Temo que meu conselho seja para que não desista dele tão já. Não desista tão cedo do que pode se tornar um amor".

Será que ele sabia que, naquele portunhol arrastado, estava falando exatamente a minha língua?

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Soltar

Fico pensando em como seria ser uma dessas pessoas que come, come muito, para amortecer a dor. Acho que ouvi um comentário a respeito em um seriado americano dia desses e fiquei com isso na cabeça (sim, tiro grandes lições de enlatados, shame on me). Eu falei em amortecer a dor, mas o fato é que seria amortecer tudo. A dor, o tédio, a sensibilidade irritante e a alegria também. É, porque chega um ponto em que a alegria é meio assustadora. Você fica consciente demais ou cínico demais, sei lá. E, quando vê, está se preparando para a hora em que vai voltar ao marasmo. Eu sei que isso não é nem um pouco saudável, mas duvido que 15 em 20 pessoas não saibam com exatidão do que se trata. Não é saudável, mas também não é muito evitável.

Fui a uma fisioterapeuta que, olhando meu corpo, parecia estar lendo minha mão ou coisa parecida. Disse assim: "As vértebras do seu pescoço projetam sua cabeça quatro dedos à frente. Ou seja, sua cabeça sempre chega primeiro". Ok, foi um comentário puramente técnico, mas não consegui deixar de ver uma poesia irônica na coisa, afinal, se tem uma coisa que sei fazer é viver mentalmente, antes de viver de fato. Logo depois, ela mandou que eu pusesse meus ombros para trás, porque eles tinham "uma rotação em frente ao tórax", whatever that means, e começou a me explicar sobre como, para algumas pessoas, isso representa um "bloqueio do meridiano do pulmão" - ah tá - que está ligado à fluídez com que lidamos com a alegria e a tristeza. Olha aí, de novo.

Fiz os exercícios obedientemente, mas fiquei pensando: "Não, moça, deixa aí". "O que, querido?" "O tal bloqueio no meridiano, deixa assim" "Mas... não pode deixar assim, você veio aqui consertar sua coluna. Precisamos deixar fluir essas emoções todas pra... " "Moça, a senhora não me conhece, mas eu já fluí tudo quanto é fluido nessa vida... Não, não. É sério. Moça, eu já me apaixonei muito e verdadeiramente. Já deixei rolar, já tentei segurar. Olha só, eu sei que esse negócio de ser livre e leve para viver tem um puta apelo de marketing e tal, mas a verdade é que não tá rolando, ok? E não adianta me falar sobre chacras e meridianos, porque eu já fiz acupuntura e yoga, meditação, terapia e até macumba - eu tô falando sério, ah... ok, pode rir - mas essa angústia nunca passou. Eu não sou fechado pra vida. Pelo contrário. Já me enfiei num avião pra conhecer um cara que nunca tinha visto, numa cidade em que ninguém me conhecia. Já me deixei levar e já saí levando. E quer saber? Eu já fui amado. Muito amado mesmo, amado loucamente, bem do jeito que eu queria. E a angústia não passou também. O fato, moça, é que não tem nada de errado em estar me protegendo um pouquinho. Eu peso 58 quilos. Na verdade, 56, porque emagreci desde que comecei a trabalhar em pé feito um tresloucado (motivo, aliás, para eu estar aqui, querendo dar um jeito nessa droga de coluna). 56 quilogramas. Não é como se eu tivesse uma grande barreira me protegendo do mundo. Sou só eu, um monte de ossos e pele e um punhado de carne que sente coisa pra caralho e nenhuma defesa. Então me faça o favor de deixar esse meridiano bloqueado do jeito que tá. Porque já fui bipolar o bastante para saber que mereço alguma constância. Nem que seja anestesiado. Sentir cansa."

Só que não falei nada, é claro. Só ri enquanto ela pressionava devagar meu tórax para baixo. E engoli o choro quando ela me disse para soltar o ar.