quarta-feira, 27 de abril de 2011

Entram pelas frestas

Como eu queria ser Sofia Coppola. E filmar tudo com a delicadeza necessária para que a felicidade pudesse ser mostrada com a fragilidade que tinha em cada momento dessas lembranças que me assaltam na madrugada. Acho que registrar é uma forma de abrir mão de memórias que nos assombram. Fixá-las numa forma e lhes dar adeus.

Numa entrevista, perguntei a escritora Elvira Vigna, que usa confessadamente do material biográfico nas obras, como ela sabia que momento da vida merecia virar literatura. Ela me respondeu: "Primeiro: não há escolha. Segundo: Não merece. Aquilo que você escreve não merece. Não é merecer. É obsessão. É ser perseguido."

O que podia ter sido é do que a gente precisa se libertar. E eu quero acreditar que há uma chance na literatura ou na arte. Mas Elvira contou, em segredo, que um personagem ainda a perseguia. Mesmo depois de ter sido escrito em um livro, de ter virado catarse, ele voltava. E ela ainda o via pelas ruas.

"Estou fodida", declarou.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Estética e canela

Estive lendo umas críticas instigantes à noção de "sentido" dentro das obras literárias. A ideia geral é que cada vez mais as obras vão se dando conta de que a busca interna de todo mundo não é de verdade por um "sentido" que coloque a vida numa perspectiva e torne possível dizer se ela valeu ou não valeu a pena. Mas também não é uma coisa de sair dizendo "Ok, não tem sentido nenhum nessa budega mesmo, let's go crazy, enfiar qualquer coisa aqui e chamar de arte". A questão na verdade é que há uma busca interna, afinal, mas é uma busca por uma estética; algo como dizer que a coisa toda - a vida, a obra de arte, a literatura, enfim - vale a pena se puder ser considerada bela de alguma forma, se construir uma estética própria ou coerente. Acho que é isso, se eu tiver entendido bem.


Tudo o que eu realmente sei é que vou sair daqui e comer dois waffles com sorvete de banana, farofa imperial, calda de caramelo e um pouquinho de canela. Sabe, pode parecer que a canela é um exagero por cima de tudo isso. Mas o fato é que é a canela que compõe a estética da obra. A coisa não é menos doce sem a canela. Aquilo é açucar para matar muitos gordinhos. Mas a sensação do belo não se traduz. Mais ou menos assim: Todos os ingredientes citados são apenas esses ingredientes postos juntos de qualquer forma, sem a canela. Com uma módica dose do pózinho marrom, contudo, a coisa toda pode ser chamada de amor. É como eu vejo.


É uma questão metafísica. Diabética, provavelmente. Mas metafísica principalmente.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

No divã

Sabe, fazer análise é como puxar o fio. Você tem um fio solto na sua roupa e você poderia cortá-lo. Sua avó te ensinou a cortá-lo, qualquer pessoa sabe que cortar é o que precisa ser feito porque senão as consequências podem ser desastrosas. Você pode acabar com um buraco imenso no meio da sua camisa favorita ou sem uma manga. A maioria das pessoas tem um pavor inconsciente de fios soltos e com razão. Há pessoas inclusive que andam com tesourinhas na bolsa para lidar com eles de forma rápida, asséptica e indolor. Mas a verdade é que todos nós temos um desejo secreto, assustador, de puxar os fios. De sair puxando e ver cada laço, cada nó se desfazendo; de esquecer por um momento o quanto gostamos daquela camisa, do quanto ela nos fazia parecer belos e atraentes e seguros de nós mesmos. E quando nos distraímos e nos deixamos levar por essa vontade, subitamente acordamos no ponto de perceber que talvez seja tarde demais. Nunca poderemos usar essa roupa de novo.