quinta-feira, 26 de maio de 2011

O discurso amoroso

A pior coisa no começo do amor deve ser não saber o que dizer. A gente quando é de gêmeos não sofre disso. Mas deve ser horrível. Deve ser horrível receber um poema de amor e não ter como responder; ouvir de uma última hora uma declaração e ficar com os olhos arregalados de mudez.
O discurso de amor é coisa que se aprende, ensinam os bardos, os poetas e os cafajestes. E até os filósofos. Porque, afinal, em termos semióticos, que vem a ser o amor senão o que falamos dele? Mas há os que para isso têm talento - demais ( os perigosos ) - e os por completo incompetentes. Deve ser triste não saber falar de amor. Imagina não lembrar um poeminha, uma palavra bonitinha, uma breguicedade qualquer para inventar mirabolantemente boca afora, pouco antes que se encontrem as línguas, boca adentro. Verdade seja dita que amor não se faz de versos e uma música citada não é amor. Amor, na prática, é qualquer coisa a mais que vem depois ou nesse ínterim, até junto, só não só isso. Mas uns versinhos, vá lá. Uns versinhos deixam qualquer um meio mole, até se ruins. Até se bregas e, vez por outra, principalmente se bregas. A breguice referenda o discurso amoroso, quando bem empregada. A breguice é o vintage no discurso. Resgata-se o velho como quem busca pureza. Mas há quem ande por aí a se mandar estrofes e trechos, roubando sempre das palavras de outrem o que nunca souberam dizer. Comigo isso não funciona. Não sei de outros, mas não entrego meu coração a plagiadores. Citações são bem-vindas, mas o discurso amoroso requer alguma originalidade. Não propriamente talento, mas coragem. Ou tolice. E, no fim, que diferença há?

quinta-feira, 19 de maio de 2011

No divã II

A psicanálise não conserta sua vida. Ela simplesmente tira a maquiagem que você tinha passado por cima daquilo que estava quebrado. Ela só te revela a extensão da bagunça.
Não é uma coisa mística, sabe? Não é uma coisa surreal, que precisa de um pêndulo, balançando de um lado para o outro, te fazendo entrar no subconsciente ou sei lá o que.
É algo muito simples. É uma coisa de prestar atenção no que você fala. É coisa do tipo "Meu celular tá cortado". "Por quê?" "Porque não paguei a conta" "Umm...". É idiota.
É simples e burro assim. Mas se você puder transferir essa simplicidade para todas as coisas, acaba percebendo o que está por trás da bagunça. Os pactos secretos que fez. As dívidas que contrai sem perceber. Dívidas materiais. E dívidas simbólicas. E toda a culpa. Porque a culpa cristã não é menos do que uma dívida que nunca vai poder ser paga. E, no meio de tudo isso, muito bem escondida, essa criaturinha maluca e bizarra que não se planeja para pagar uma conta.
Essa criaturinha que fala coisas como "Quero ir embora daqui, essa cidade já deu o que tinha que dar". E acaba ouvindo algo como: "E você já terminou a pilhagem?", como se fosse um soco no estômago. Porque quando se evita crescer é isso o que viramos. Umas criaturinhas maníacas, bizarramente egoístas. Que acham que merecem receber e receber e receber, quando deviam estar oferecendo. Não, a psicanálise não conserta sua vida. Lacan não te faz alguém melhor. Lacan ri de você. E te manda embora antes que você possa esquecer o que acabou de dizer, antes que esqueça o som dos seus absurdos. Lacan ri, lá do seu túmulo, ele ri de toda a maquiagem que você coloca e suspira com as suas justificativas.
Porque ele te faz ouvir o que você mesmo fala. E, quanto mais você escuta, mais trabalho você percebe que vai ter para dizer alguma outra coisa. Alguma coisa menos absurda. E quanto mais trabalho você tem, ironicamente, mais você acaba gostando. Não exatamente de si - e agora você sabe do perigo por trás disso -, mas do trabalho. Do trampo que dá. E você preferiria dormir, verdade seja dita. Mas não vai. Porque a psicanálise não conserta sua vida. Você conserta.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Desamado

Se ninguém te ama, vem ser desamado aqui, vem. Vem sem o amor. Vem perdido, sem futuro para hoje. Sem o quando chegar. Se ninguém te ama, vem sem dançar. Deita aqui, sem amor. Senta na beirada da cama, encolhido no canto com os pés escondidos na coberta. Deita como quem não aguarda; quem não tem amor não precisa agradar. Faz a cara de quem ficou, de quem sobrou na festa, de quem errou o caminho e chegou no fim, quando todo mundo já tinha um par. Faz cara de menino deixado no canto, no canto da cama, da balada, do agito, da noite. Faz cara de quem chega e toca a campainha e nunca tem amor. Vem sem ser amado, chega desarmado. E então fica.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Homoamor

Mais que do sexo, eu sinto falta de ter um homem em casa. Percebi isso esses dias, olhando meu apartamento. Sinto falta de mais um homem. Vai ver é porque eu não sou homem o suficiente para a casa inteira. Mas acho que é só porque sinto falta de ver alguém de cuecas no domingo, olhando a geladeira, coçando a cabeça com cara de sono e concluindo que só sobrou mesmo o queijo. Eu sinto falta do cheiro de alguém ficar misturado com o meu cheiro no cheiro da casa. E dessas outras pegadas todas que a gente deixa quando mora com alguém; eu deixo livros no banheiro, deixo meias e revistas entre as cobertas, deixo a calça jeans na poltrona, porque uso a mesma durante dias. E tem quem ache isso nojento. Talvez outro cara achasse isso nojento também. Provavelmente teria um monte de outras coisas que eu acharia nojento. Sinto falta de achar alguém nojento. Não muito. Mas só o suficiente para lembrar que não somos a mesma pessoa, nem fomos criados do mesmo jeito. Só o bastante para rir. E até para se irritar um pouco e, quem sabe, aprender alguma coisa nova. Ou não aprender nada e irritar ele bastante. Tem gente que acha isso válido também. Não sei o que é isso. E tenho cada vez menos vontade de explicar, para mim ou para os outros. Se é carência - mas não ando triste -, se é doença ou se é amor, eu sei lá. Nesses últimos tempos eu já não sei dizer o que é amor. Freud diz que é narcisismo. Amar o amor. Mas não é só comigo que eu quero dormir. Pode ser que eu tenha sido criado com mulheres demais e agora sinto falta desse pedaço. Vira homem, gritavam os homofóbicos na escola. Quem sabe é isso. Nesse processo de virar homem, ficou faltando metade. Não sou homem o bastante para a minha vida. Preciso de mais um. Tem tantas palavras. Homossexualidade para dizer com quem eu gosto de fazer sexo. Homoafetividade para dizer que não é só sexo. Tem até homotextualidade para falar do que eu escrevo. Estamos sempre categorizando e até acho que isso faz sentido. Acho que é reconhecendo as diferenças que o espaço e os direitos do outro são respeitados. Não forçando o mundão num pacote que diz Olha lá como somos bonitinhos, todos iguais. Entendo isso politicamente. Mas, pessoalmente, eu olho para a minha geladeira e penso: Taí. Casar é legal. E fico feliz de o Estado reconhecer isso também.