domingo, 30 de junho de 2013

Crônica da Pólvora VII


Estou de volta àquele cais. Estou de volta aos iates e veleiros, estou de volta ao início da Bahia de Dorian, estou de volta à praia, ao mar, às reminiscências. O tempo não passa na memória, mas as memórias passam, embora não as vejamos passar. Não lembro de tudo. Não lembro do gosto dos lábios de J. naquele primeiro beijo que ele me roubou, não lembro do que ele disse entre risos, não lembro da minha negativa, não lembro do poema que recitei, não lembro do que lembrava na hora, não lembro de lembrar de M., não lembro de não chorar, não lembro de tudo. Este cais não é o cais de M. Este óleo das águas deste cais, estas velas, não foram parte das expedições de M. M. desprezava minhas lembranças. M. que possuía o mar e agora possui a selva de pedra, enquanto eu só possuía o deserto. M e eu. J. entre nós. E o cais e o mar e o gelo.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Crônica da Pólvora VI

 Os cabelos de M. eram um personagem à parte, uma mítica extra-pessoal, um recurso poético que um crítico poderia analisar como se fosse o próprio poema. Do cabelo de M. digamos apenas que era o traço a que o comum se referiria depois de vê-lo na rua. Certa vez, um míope o entendeu como convite, fumando na entrada de um bar qualquer, enquanto os amigos o esperavam, não pôde não os convidar – os cabelos - para juntarem-se à roda. Depois, M. tinha certeza, não lembrou de seu rosto, dos joelhos magros, da pele alvíssima, lembrou apenas de seus cabelos. Fez amor com os cabelos de M. durante uma semana. M. tinha certeza. Depositava-se de tal forma naqueles cachos angelicais, que ainda sinto o revoar da cabeleira por meu pescoço agora que olho sua fotografia. Sempre discordei dessa percepção tola, sempre achei seus cabelos mero detalhe de sua personalidade. Mas há três anos não nos falamos. Soube recentemente, por um amigo em comum, que raspou a cabeça.