terça-feira, 12 de novembro de 2013

Marrano - Rascunho I

Há um rastro borgeano em minha alma.

Morrer cercado de livros que não li; e, mesmo dos que li, não escapar de não relê-los. As palavras enjauladas, soltar na leitura, saltar o olhar, perder letras na língua solta, para voltar a prendê-las no esquecimento.

Sempre de novo a primeira vez desde a primeira vez que já era o retorno do marinheiro, da cicatriz, do reconhecimento, da suspeita que já era saber, ter sabido, incessantemente, nenhuma inocência e, ainda assim, perdê-la. Esperar perder Penélope.

Partir e retornar. Nada é realmente chegada. Meu mar de livros, meu navio cama, o canto sedutor de novos volumes. Sou Ulisses, sei como vencer as sereias. 

Mas não o desejo. Não desejo a areia. Não desejo nem a chegada nem o novo. Me perco no mar. Não amo a areia, não amo o deserto. É sempre já ter estado lá. É sempre ter perdido antes de chegar.

Vejo arder a cicatriz, pedindo um recomeço, um tempo outro, que se fechem os livros, mas o sol e o sal me dão o gosto já conhecido. Nunca o novo. Seguir o rastro, seguir a letra, a linha que garante estar entre. Nunca dentro. Nunca fora. O livro aberto.

À água, meu castigo e lamento, meu amor; à biblioteca, ao navio, à viagem. A nunca chegar.


Estive em duas cidades. Sempre no meio.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A rocha persiste em vigilante aguardo da próxima onda,
é pétrea vontade que a sustenta frente ao mar;

Ergue-se o rochedo para um sol generoso,
inteira ela é os sulcos cavados as salinas,
o que cresce nas salas escuras,
o escuro,
o musgo,
o escorpião do mar e o caranguejo.

Mesmo os pedaços da pedra lascada
sabem do destino da rocha frente ao mar.
Nas tardes chuvosas,
o vento o grita sem piedade e com zombaria
não é segredo à rocha, nem mistério,
o seu fim trágico, perene desgaste, membro à membro

A rocha persiste.

Frente à morte,
à dissolução onda a onda,
ao embate mortal contra o mar,
ao nada,
a rocha persiste.

É que sem o mar,
a rocha seria apenas pedra ou nem isso.
sem o mar,

Não haveria o tempo!;

persistência firme de saber que não há dignidade sem espera,
que a rocha não se ergue em sua qualidade de rocha,
sem o impacto que suporta sem ceder.

A rocha sabe que o mar, enfim a devorará,
e sem que se entregue,
e sem que se esquive,
a rocha o ama