Quando dizes assim:
Preciso te dizer essas palavras
senão...
O que vem a completar a sentença
é sujeito ao delírio pessoal que criastes
última centelha de identidade
que te restou, porque estás possuído
Como exemplo, podem-se listar
pelo menos quatro torturas
elementares
Se fores sujeito de água, digamos
Completas dizendo
Senão me afogo
Mas, se és do fogo,
Explode.
se fores do ar
sufoca
E de terra
aí com nada completas
porque há muito te enterrastes
e agora precisa de alguém que te salve
Nada disso é real,
é delírio, já o dissemos
Não te afogarás, explodirás, tampouco sufocarás
(embora seja possível que te enterres e se ninguém vier em teu auxílio estás perdido)
Nenhuma dessas torturas te acometerá
por palavras não-ditas.
Mas o teu destino será muito pior
Preciso te dizer essas palavras
senão não as terei dito.
Esse é o inconcebível,
o que apavora mais que morrer
porque equivale a não ter vivido:
Não dizer.
O terror dos mortos é serem esquecidos
por isso carregamos fantasmas
O dos vivos é morrer
por isso carregamos fantasmas
Mas o terror de não dizer
não é morto nem vivo
É terror do texto.
É texto o que assombra
- afoga, explode, sufoca, enterra -
É texto que invoca fantasmas
Sob pena de condená-los ao esquecimento
porque, no fim, medo, angústia, aflição,
são sintomas galopantes de texto.
Sem artigo, sem definição
interminável, solitário e...
Texto que inventa, ameaça
manipula,
desloca - condensa
deseja, que quer,
mais texto.
Ser dito.
Senão.