Os cabelos de M. eram um personagem à parte, uma
mítica extra-pessoal, um recurso poético que um crítico poderia analisar como
se fosse o próprio poema. Do cabelo de M. digamos apenas que era o traço a que
o comum se referiria depois de vê-lo na rua. Certa vez, um míope o entendeu
como convite, fumando na entrada de um bar qualquer, enquanto os amigos o
esperavam, não pôde não os convidar – os cabelos - para juntarem-se à roda.
Depois, M. tinha certeza, não lembrou de seu rosto, dos joelhos magros, da pele
alvíssima, lembrou apenas de seus cabelos. Fez amor com os cabelos de M. durante
uma semana. M. tinha certeza. Depositava-se de tal forma naqueles cachos
angelicais, que ainda sinto o revoar da cabeleira por meu pescoço agora que
olho sua fotografia. Sempre discordei dessa percepção tola, sempre achei seus
cabelos mero detalhe de sua personalidade. Mas há três anos não nos falamos.
Soube recentemente, por um amigo em comum, que raspou a cabeça.
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