A
imagem que me retorna é esta: um homem preso numa torre de biblioteca. As
únicas janelas são os livros, deles é possível respirar. Mas o homem não sufoca
quando o vejo, o homem não é preso na torre por falta de portas, mas por força
da vontade. É a espiral da torre que o desconforta. A torre se contorce, como
uma serpente, e os livros desaparecem entre andares. Há dois personagens nessa
cena, o homem e a torre. E cada livro, cada centena de milhares de livros,
desconforta esse homem da biblioteca. Porque ele lê cada frase, frase a frase,
e, por não acreditar no tempo, não o perde nunca. Antes conhece cada frase a
ponto de que um livro demore talvez meses, um ano, algumas vidas, até ser lido
na íntegra. Mas o homem não perde tempo. Ele gasta cada minuto, cada sol,
degustando uma frase, em oração, de seu período. Assim ele é feliz, pouco, mas
entre pedaços. É o livro, é a literatura, é a torre que o desconfortam. Porque
o todo, o todo só existe assim. Em angústia. O todo é o abismo. A torre
serpentina, as letras do mundo, são o abismo. E o homem caminha nas bordas, uma
palavra por vez.
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