Às vezes sinto a ausência de meus irmãos como se fosse no corpo. É como se ao redor de mim devesse estar reunido um pequeno exército e esse exército me falta. Faltam-me cinco membros, quatro deles se movendo do outro lado do país e um deles em outro continente. Não é uma ausência momentânea e por isso não sinto da mesma forma as saudades da irmã que foi criada comigo e que agora também se move fora do Brasil. A presença dela está aqui, mesmo sem estar. A falta desses cinco que foram criados longe de mim em todos os sentidos é a falta de uma vida. Não. É a falta de cinco.
Não sei como explicar essa sensação sem falar das diferenças culturais entre o país em que vivo e o país de onde vim. Nasci no norte do Brasil. E esse é um país completamente diferente de Brasília. Acho que em qualquer lugar é possível compreender a conexão profunda dessa coisa abstrata, porém sólida, altamente criticável e ao mesmo tempo essencial aos indivíduos chamada família. Porém não sei se é possível entender da mesma forma a questão do corpo. Quem já foi ao norte sabe o que eu quero dizer. Sabe o que é ser chamado de “maninho” até pela atendente da companhia aérea. O norte tem heranças indígenas que não foram completamente aniquiladas na colonização. É muito mais que as expressões e a comida. É o toque, o calor.
É estranho explicar que até os dez anos de idade eu tomava banho com meus cinco irmãos mais os primos que estivessem nas redondezas, completamente pelado e sem saber o que era vergonha. E acho que meus amigos devem olhar com estranheza que meu irmão caçula, hoje um atleta de quase dois metros, forte o bastante para me arremessar por uma quadra de futebol, fique enciumado de saber que minhas irmãs dormiram na minha casa e passamos a noite conversando. A ponto de declarar com plena segurança depois de um filme que pretende dormir comigo e, sem esperar permissão, se jogue na minha cama para me contar seus planos para o futuro. Deve ser difícil entender a ingenuidade dessa carência.
Sabemos que não nos criamos da forma como gostaríamos; brigando por espaço, nos engalfinhando por um pouco de privacidade, odiando a ridícula mania de super-proteção uns dos outros. Particularmente, eu os invejo. Eles são cinco. E, parece mentira, mas consigo imaginar perfeitamente suas discussões por telefone, no viva-voz, criticando e rindo de nossos pais, uns dos outros, todos ao mesmo tempo. Juro que o roteiro de Brothers and Sisters foi baseado nos meus irmãos, porque eles são exatamente daquele jeito. Pelo menos no que tange a não se meterem onde não são chamados. Meus irmãos se metem. O tempo todo. Exatamente como eu faço.
Talvez eu procure amigos que são como uma família pela falta dessa. Ou talvez seja simplesmente algo do sangue. O fato é que às vezes quase escuto o barulho que fazem. Procuro suas presenças como se tivessem chamado meu nome e desejo do fundo coração que estejam bem e que possam lembrar meu número se precisarem de ajuda. E os abraço, fechando os olhos. Luinne, ágil e firme como o são as bailarinas. Luane, sempre emotiva, rebelde, tão parecida comigo que me assusta. Junior, inocente e gentil feito a infância. Lorran, o menino-homem mais bonito que já conheci e Gabi, minha apaixonada e sábia Tereza. Cacahuèté. Filha de Iemanjá, irmã e mãe. Tenho seis irmãos. Um pequeno exército pessoal que se ama um amor feroz. Em certas noites, procuro por cinco deles na memória para entender melhor as partes que me faltam e enfrentar o mundo.
2 comentários:
' Fiquei com vontade de chorar. Qe declaração, hein! Meus parabéns pela obra, pela emoção qe ela carrega em suas palavras. Tô maravilhado. Ganha uma estrelinha! Abração!
Por meio de Gabi conheci o seu texto... denso, pulsante, firme, tocante, lindo... sem palavras.
Estarei aqui mais vezes para aprender um pouquinho com este teu lado "Claricespecteriano".
Postar um comentário