Há
um rastro borgeano em minha alma.
Morrer
cercado de livros que não li; e, mesmo dos que li, não escapar de não relê-los.
As palavras enjauladas, soltar na leitura, saltar o olhar, perder letras na
língua solta, para voltar a prendê-las no esquecimento.
Sempre
de novo a primeira vez desde a primeira vez que já era o retorno do marinheiro,
da cicatriz, do reconhecimento, da suspeita que já era saber, ter sabido,
incessantemente, nenhuma inocência e, ainda assim, perdê-la. Esperar perder
Penélope.
Partir
e retornar. Nada é realmente chegada. Meu mar de livros, meu navio cama, o
canto sedutor de novos volumes. Sou Ulisses, sei como vencer as sereias.
Mas
não o desejo. Não desejo a areia. Não desejo nem a chegada nem o novo. Me perco
no mar. Não amo a areia, não amo o deserto. É sempre já ter estado lá. É sempre
ter perdido antes de chegar.
Vejo
arder a cicatriz, pedindo um recomeço, um tempo outro, que se fechem os livros,
mas o sol e o sal me dão o gosto já conhecido. Nunca o novo. Seguir o rastro,
seguir a letra, a linha que garante estar entre. Nunca dentro. Nunca fora. O
livro aberto.
À
água, meu castigo e lamento, meu amor; à biblioteca, ao navio, à viagem. A
nunca chegar.
Estive
em duas cidades. Sempre no meio.