sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A ironia erótica de Thomas Mann


Arte: Isabela Taylor

A "ironia erótica" foi um termo cunhado pelo escritor Thomas Mann para definir um tipo muito específico de discurso analítico. Trata-se de um discurso que se debruça sobre as falhas por entender que é apenas a partir do que é falho e imperfeito que temos o singular. Ele assume as falhas como a essência do humano. E toma a perfeição como uma traição da humanidade. É irônico, porque, por ser um discurso, é cruel, perverso na distância que se toma do objeto sobre o qual se discursa. Mann percebe na atividade do escritor um certo grau de perversidade. É frio, ele diz, o ato de "denunciar" em palavras algo que é único e íntimo, a imperfeição. E é erótico porque é feito com amor. Mais do que aceitar a falha, busca-se compreender os aspectos mais desejáveis dela. Para chegar, enfim, à conclusão de que não se pode amar o que não é imperfeito.

Reverencia-se, mas reverência não é amor.

Para esclarecer a ideia, Joseph Campbell usa o exemplo das pessoas que não conseguem amar a noção do Deus onipotente, mas que amam a figura de Cristo, ferido, pregado na cruz. É o sofrimento, explica, que referenda esse amor. É como se, ao compreendermos a dor que as falhas de alguém impõem a essa pessoa, pudéssemos amá-la verdadeiramente. Creio que a máxima é igualmente válida para nós mesmos. Se compreendermos que uma marca ficou como o registro de um machucado profundo, passamos a gostar mais dela e do que ela tem a contar. E, por "gostar mais", não quero dizer simplesmente aceitar, mas se orgulhar mesmo.


Como quem diz: "É, essas estrias nas minhas costas são minhas digitais".

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