terça-feira, 19 de março de 2013

Acendendo fósforos

Quando criança, pedia histórias; adulto, roubava elogios para dormir.

Ligava para o amante para lhe dizer o quanto o amava. Amava muito. Porque era belo e bom e o fazia de bobo. Porque era sábio, porque era rápido para entender e rápido para a cama, mas demorava no gozo. Dizia ao amante muitas palavras boas e saborosas e até compostas de verdade. Cheio de manha. A boca cheia de sílabas. Daí, no finzinho da ligação, perguntava assim como quem não quer pedir nada, se era bonito. Se cheirava bem. Se era de boa grossura e qualidade. Não era possível negar-lhe, não era pedido. Sim, mas é claro. Mas é claro que os músculos da sua perna são lindos, mas é claro que seus olhos não precisam de lentes, mas é claro que seus cabelos caem bem sobre os ombros. Mas é claro.

Uma pilhagem. Os mais vividos sabiam. Aqueles elogios de começo eram só fósforos acesos num lampejo de dedos. O que interessava mesmo, o que denunciava mesmo, eram os olhos dele quando brincava. Olhos de incendiário. Muito claro.