domingo, 4 de novembro de 2012

Senão - Blanchot II

Quando dizes assim:
Preciso te dizer essas palavras
senão...

O que vem a completar a sentença
é sujeito ao delírio pessoal que criastes
última centelha de identidade
que te restou, porque estás possuído

Como exemplo, podem-se listar
pelo menos quatro torturas
elementares

Se fores sujeito de água, digamos
Completas dizendo
Senão me afogo

Mas, se és do fogo,
Explode.
se fores do ar
sufoca

E de terra
aí com nada completas
porque há muito te enterrastes
e agora precisa de alguém que te salve

Nada disso é real,
é delírio, já o dissemos
Não te afogarás, explodirás, tampouco sufocarás
(embora seja possível que te enterres e se ninguém vier em teu auxílio estás perdido)

Nenhuma dessas torturas te acometerá
por palavras não-ditas.
Mas o teu destino será muito pior

Preciso te dizer essas palavras
senão não as terei dito.

Esse é o inconcebível,
o que apavora mais que morrer
porque equivale a não ter vivido:
Não dizer.

O terror dos mortos é serem esquecidos
por isso carregamos fantasmas
O dos vivos é morrer
por isso carregamos fantasmas

Mas o terror de não dizer
não é morto nem vivo

É terror do texto.
É texto o que assombra
- afoga, explode, sufoca, enterra -
É texto que invoca fantasmas

Sob pena de condená-los ao esquecimento
porque, no fim, medo, angústia, aflição,
são sintomas galopantes de texto.


Sem artigo, sem definição
interminável, solitário e...


Texto que inventa, ameaça
manipula,

desloca - condensa

deseja, que quer,
mais texto.



Ser dito.
Senão.