domingo, 21 de julho de 2013

Crônica da Pólvora VIII

V. soube o que eu fazia de um amigo sentado a seu lado na mesa. Sorriu abertamente e, num desses momentos em que a balbúrdia se torna murmurinho, acabou falando alto demais, quase gritando, que queria que eu fosse seu analista. A mesa emudeceu, aguardando resposta, o bar inteiro. Eu demorei o olhar. Ele estava numa ponta da mesa e eu em outra. Eu sentado, de pernas cruzadas, óculos, minha armadura de trabalho, minha fantasia; e ele de roupas coloridas, uma camiseta com um decote imenso no frio e uma tatuagem no peito, mas, acima de tudo, vestido com os olhos. Olhos imensos. Olhos puxados como um gato, mas enormes e tremendamente castanhos. Não se fala muito sobre os olhos castanhos; como se um olho fosse apenas castanho e isso fosse fato acabado, sem nada mais a dizer. Os olhos de V. punham esse estereótipo por terra. Diziam muito de serem castanhos e não cessavam.  E eu lhe disse que não. Não daria conta de sua psicodelia. A espera se desfez em risada, mas V. não riu. Olhou-me fundo e respondeu que era mentira. Eu não o analisaria, provocou, porque os psicanalistas não devem amar. E minha fantasia não o enganava, eu era um amante do caos. Foi assim que nos conhecemos.

Nenhum comentário: