sábado, 1 de janeiro de 2011

Mútua solidão - Início

Eram vizinhos de quarto em um hotel tão velho que as paredes eram finas como gesso e as portas não fechavam nas trancas, seguras no batente apenas por cadeiras encostadas nas maçanetas. Diziam-se bom dia, bom dia e boa noite, boa noite, a cada manhã e a cada entardecer. Mas, quando vinha a madrugada, trocavam dúzias de bilhetes por uma fresta de rato na parede que separava-lhes os aposentos. Um falava de saudade. O outro da falta que sentia. Esse contava do livro que lia, citando capítulos com tamanho entusiasmo que sua letra tornava-se quase ilegível, já reduzida que estava para caber nos pedacinhos de papel rasgados de um caderno amarelado qualquer.

Aquele aumentava um pouco mais o volume da vitrola, porque queria compartilhar o pouco do que tinha e, intimamente, invejava essa habilidade inata que o outro exibia com palavras difíceis e tão corretas para expressar o que estivesse por ser dito. Bem verdade que o primeiro, às vezes, silenciava. E o segundo não podia compreender o motivo para que as missivas demorassem tanto ou subitamente cessassem até a madrugada seguinte.

Se soubesse ler mentes, descobriria embaraçado que suas poucas palavras, envergonhadas da própria inabilidade, e postas sobre o papel quase que com constrangimento, ao outro soavam como soa a concisão dos indiferentes, ofendendo todo o seu senso poético, que acreditava estar oferecendo o que de melhor possuía - e de fato estava - sem receber em troca nada de valor equivalente.

Talvez pudesse o segundo então explicar ao primeiro que, embora a impressão fosse verdadeira, seu registro pecava por não levar em conta os fatores motivacionais dessa troca injusta. Porque não era verdade que fosse por indiferença que suas respostas levassem muito menos do que sabia receber. Pelo contrário, a razão de seus bilhetes serem tão curtos era exatamente por julgar que o que tinha a oferecer não se comparava em valor - literário, estético ou simplesmente vital - ao que lhe era entregue com tamanho despojamento. Atitude que só têm os que já possuem muito, pensava, a ponto de não se preocuparem em guardar para si, pois não temem que lhes possa faltar.

Não intuía o que motivava toda aquela doação de palavras, tomando falsamente por generosidade aquilo que, em verdade, era o desejo de já não precisar dizer nada. Porque há aqueles que, sem saber, são carentes de silêncio. Não o dos outros, mas do próprio.


(continua...)

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