segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O passado manda cartas

Não é estranho vagar pela internet e encontrar seu próprios textos, perdidos no limbo, escritos anos atrás? Encontrei esse aqui no fotolog de uma amiga e foi como se recebesse uma carta direto de 2008, do garoto que eu fui em 2008, escrito de um jeito que talvez fosse o jeito exato para que o entendesse hoje. Escrito numa época em que ainda não me preocupava, ou ainda não havia absorvido a preocupação com a objetividade, com linearidades, com ser compreendido. Numa época que escrevia muito mais para mim que para os outros. Não tenho vontade de voltar a esse tempo, nenhuma nostalgia. Mas senti saudade desse garoto de 2008 e fiquei feliz, realmente feliz, por ele ter mandado lembranças.

E fico pensando: se pudéssemos mandar uma carta ao passado, o que será que escreveríamos?

Trecho

06/02/08

"alguns dias eu nem acredito das coisas das quais faço parte
Veja o menino que fui; o que tinha certeza de que a vida passaria num quadro impressionista, retratando eternamente aquele mato orvalhado cobrindo a terra lamacenta do quintal. E o único lugar para o grande, para o notável, seria a tela daquela cabecinha de menino, de imagens rápidas, sólidas e surrealistas. É esse menino que se isola no quarto com outras telas repletas de artificialidades pontilhadas e digitais, a salvo dos sustos de notar a vida notavelmente grandiosa que construiu sem se saber construindo – pois de outra forma, inclusive, poria tudo abaixo -, para tomar algum fôlego, pois os anos passam e ele ainda guarda a sensação de que a felicidade é vertiginosa, estranha expansiva. Que lhe descompressa os pulmões e exige ar, tomando espaço, ocupando; com um agir intuitivo de levantar a mão e se imprimir no mundo.

Mas essa felicidade é um sopro, está claro. Veja como escrevo: falando a você, sempre a você – querendo ser visto (bem, isso é humano, nós sabemos) -. Só que tão pequeno, tão comprimidamente. Um comprimido de texto. Como se diz das crônicas de humor, só que sem graça. Espere.

Eu sou simplesmente um produto do meu tempo (olhe que tolice: acabo de dizer “isso é humano”. Como se tudo mais, inclusive eu, não o fosse) assim vivemos, sentimos e lembramos. Tudojunto. Pequeno e rápido, talvez não se viva. Mas certamente se fala assim. Economizando. Um ponto disso, um ponto disso e você já sabe o que quero dizer, então para que precisamos ter isso dito? Nós dois, eu e você, temos pressa, mesmo que seja uma pressa tranqüila. É porque vamos apenas passar. E a sua vida na minha mente fica sendo um retrato impressionista.
Então temos tristeza. Eu noto tristeza; bom, na verdade noto uma vaga sensação de perder algo e lembro da familiaridade, da expressão no rosto dos outros, do nome que ouvi: tris-te-za. É bonito. É a questão do impressionismo, existe sempre mais de uma sugestão, quando vi uma, perdi outra.
Seria bom poder escolher que impressão levar. Talvez a tristeza da infância esteja nisso: nós não escolhemos a impressão que trazemos, mas algo aqui soube das possibilidades. Que o mato orvalhado poderia ter sido uma selva e a lama, areia movediça. Sem telas voyerísticas do mato e contemplações surrealistas eu teria sido mais feliz? Ou só teria sido qualquer coisa que não sou.

Falta sempre um fecho. Digo a mim mesmo quando isso acontece: “você está com medo de dizer tudo”. No entanto quando é que dizemos tudo? Diz-se que deixar brechas é tão pseudo-profundo. Mas outro dia disseram de mim que, por sempre delinear tanto e trazer cada ponto, sou por demais didático. Como se isso fosse uma coisa ruim. Como se para imprimir tivesse de ser vago. Como a vagueza no notar a felicidade das coisas que andam e funcionam na vida."

(Ronan Nascimento)

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